domingo, 29 de março de 2009
Ending Theme [Ode à Memória - Fim]
domingo, 22 de março de 2009
Interlúdio.
Sabe aquela pequena expressão, super constante na vida de todas as pessoas na terra? O “se”? Essa porcaria vive em minha cabeça, não importa se o fato foi interessante, espetacular, inesquecível, uma merda, indiferente. Ela sempre está lá. Sempre fazendo perguntas dentro da minha cabeça.
E “se” isso. E “se” eu tivesse falado aquilo em vez disso? E “se” eu não tivesse feito aquilo?
Todos se perguntam coisas assim, isso é normal. Mas acredito que, no meu caso, o grande problema, que, aliás, é minha maior mazela, o exagero é o grande vilão. E perdoem-me as pessoas auto-suficientes-que-não-têm-problemas e que conseguem-resolver-tudo-rapidamente, eu não sou assim. Não tenho essa magnificência. Sou uma pessoa cheia de neuras, cheia de perguntas sem resposta, e cheio de dias reflexivos e indagativos.
Sou assim, mesmo que isso me torre o saco quase sempre. Mas a porra da essência, aquela da qual não se consegue fugir, apesar de se tentar, está lá pra me lembrar.
“Olha, calma lá, e ‘se’ blá blá blá”.
Sou escravizado pela minha própria memória e por minhas próprias angústias em tentar ser uma pessoa ótima para todos à minha volta. E mesmo assim, errar, como todos os seres humanos normais. Mas se perguntar de forma doentia o porquê daquele maldito erro, daquela maldita palavra dita, daquela atitude imbecil tomada.
Eu queria que minha cabeça fosse um ficheiro de repartição pública, que as pessoas guardam documentos e, mesmo que sejam importantes, ficam lá, empoeirados, com 99% dos funcionários não fazendo idéia do que está ali, e pouco se importando, não tendo nem vontade de olhar.
Queria seguir em frente de forma lúdica e feliz, sem ser atormentado por um passado completo e absoluto, mas que teima em torrar minha paciência. O resultado são momentos como hoje, onde bilhões de perguntas me foram feitas, muitas respostas foram conseguidas na lata, outras não.
Essas dúvidas de tentar mudar coisas que estão mortas e enterradas um dia vão me matar. Vai aparecer uma que seja mais forte que eu e pimba. Espero que o Sport me mate antes disso, e eu morra na arquibancada da Ilha do Retiro, de felicidade, por favor.
Ah, foda-se.
quinta-feira, 19 de março de 2009
Wavering Radiant
“’Quando os mortos choram, é porque estão começando a se recuperar’, disse o corvo em tom solene.
“’Lamento ter de refutar meu amigo e colega ilustre’, disse a coruja, ‘ mas, no que me diz respeito, creio que quando os mortos choram, significa que não querem morrer’ “.
Collodi, As Aventuras de Pinóquio.
Quando eles entram na casa do velho, “X” nota algo familiar: O pássaro, que pairou sob a sua cabeça durante vários dias, estava comportadamente quieto, em cima de um porta-retratos grande. O porta-retratos tinha uma foto linda: Um grupo de cinco amigos abraçados, fazendo pose engraçada para o fotógrafo. “X” olhava fixamente para a foto, enquanto as folhas secas invadiam a casa do velho.
A casa era o que havia de mais aconchegante. Tinha poltronas com aspecto de antigas, confortáveis, e com cheiro de “vovô”. “X” olhava para a imensa prateleira de livros do lado esquerdo. Havia de tudo. De Charles Bukowski à Dostoiévski. Literatura antiga, como a Epopéia de Gilgamesh, até “A Invenção da Solidão”, de Paul Auster. “X” era fanático por livros, e começou a abrir alguns, com a imensa cortina de poeira subindo em cada nova página virada.
- Como o senhor permite que seus livros fiquem nesse estado?
“São apenas as idéias dentro deles que importam, garoto. Já li todos. A cada nova página lida, eu respirava fundo, como se tentasse absorver cada palavra do autor, e, em seguida, tentasse adequar à minha vida.”
- Eu sempre me imagino realizando uma obra desse porte [pegando o livro de Kafka, A Metamorfose] Me imaginando realizando algo realmente importante. Mas sou inteligente o suficiente para saber que não tenho capacidade para tal coisa.
“Você se imagina sendo um rapaz problemático, que tinha problemas com o pai, era apaixonado pela irmã e se apegava a mãe de maneira doentia? Se imagina sendo uma pessoa que escreveu uma das maiores obras da literatura contemporânea em pouco mais de 10 horas, e depois foi internado no hospital?”
Risadagem geral. Até o pássaro riu.
“Me chamo Glaube”, disse o velho. “Moro aqui desde que nasci”.
O senhor deve ter muitas lembranças desse local, da sua infância.
- “Sim, mas nem sempre isso é bom. Nem sempre é bom ter lembranças.”
Por quê?
- “Porque a memória é o espaço em que uma coisa acontece pela segunda vez. Você deve entender isso, você tem boa memória. Além disso, você dá um valor exagerado para ela. Você a deixa viver. Já eu”, continuou Glaube “, percebi que a força da memória é avassaladora, mas fiz tal descoberta tarde demais.”
Que foto linda. Quem são aqueles?
- “O do meio sou eu. Os outros quatro foram amigos importantes em minha vida. Foi a única foto nossa que sobrou. O resto eu simplesmente perdi.”
Colocando a mão no peito, Glaube enrijece o rosto. “Essa cicatriz é de quem errou muito e foi castigado. É de quem achou que entendia muito de tudo. De alguém que recebe uma penitência desde então. É de alguém que nunca entendeu realmente de que são feitos os sentimentos.”
“X” pára; pensa e diz: “Para ser ouvido em silêncio, para ser abraçado nas noites... O senhor não precisa se martirizar por erros do passado. Ou fatos que o senhor julga errados. O aprendizado pode não ter sido muito fácil. De fato ele nunca o é. Alguém com o seu dom, de despertar as pessoas, de fazê-las sorrir, é alguém muito importante para não ser ouvido. Ou é muito burro, ou é um covarde.”
Começa a chover forte. O pássaro enfia a cabeça entre as asas e dorme.
O velho ri. “X” levanta e se encaminha para a porta, quando ouve o Glaube falar: “E alguém que diz que é mais forte que os demônios deveria vencê-los de forma definitiva. E não brigar um pouco, todos os dias, para fazer desse acontecimento o parco sentido de sua vida.”
“X” ri, toma o último gole do café, e de “tchau” pro pássaro.
Amanhã, eu recolho as folhas.
“Ok. Boa noite meu filho.”