domingo, 11 de dezembro de 2011

Portas.

Estava de mudança. Tinha conseguido comprar a casa que sempre quisera durante sua infância. Passou anos e anos passando na frente daquela casa todos os dias, indo para os mais diversos lugares, e o mundo sempre parecia que parava quando ele entrava em seu campo de visão. Finalmente a havia adquirido. Agora restava apenas uma parte da mudança. Mãe e pai mortos, mulher divorciada. Ele fazia a mudança sozinho. Cinco ou seis viagens por dia, colocando tudo que ele julgava de valor dentro do seu carro, e levava para a casa nova. Esse operação já durava alguns dias. Estava terminando. Era a última viagem. Chegou na frente da casa e ficou admirando as duas árvores que ficavam na frente, que ele mesmo havia plantado. Davam flores amarelas lindas, mas nunca deram frutos. Pouco importava. Em determinada época do ano a rua ficava parecendo um mar amarelo tênue, com as pequenas flores voando ao sabor do vento.

Abriu o velho portão de ferro, subiu o lance de escadas e abriu a porta. Havia uma poltrona, alguns retratos em cima da prateleira, duas caixas perto da escada que dava para o segundo andar, e poeira, muita poeira. Algumas teias de aranha se amontoavam perto dos porta-retratos. Ele sentou-se na poltrona e começou a olhar a casa, começou a ver o lance de escadas como era há vários anos, quando todos subiam correndo para ver quem chegava mais rápido no banheiro, pra tomar banho logo. Olhou para o térreo, e lembrou da mesa de jantar cheia, e de como ele sempre conseguia disfarçar e limpar a boca suja de molho de tomate na própria toalha de mesa, seguro de que ninguém estava vendo. Aos poucos, esse sentimento de fazer tudo escondido foi substituído por indiferença de todas as partes.

Olhou para o corredor e viu a porta do porão, onde os pequenos tinham medo de chegar perto. Nunca entendeu a revolta dos filmes americanos com o porão. Por causa dele os pequenos nunca o ajudavam a limpar aquele lugar. Sempre perdia um domingo de folga varrendo e tirando as teias. Mais teias.

Olhou os porta-retratos, e se lembrou de como nunca gostou de fotografias. Como ele as enxergava não como um passado, mas como uma espécie de blefe. Um engodo que permanecia intocado por gerações, e de como aquilo o incomodava. Incomodava porque ele mesmo não conseguia fazer nada de diferente - e na opinião dele, nada de mais sincero - ao sair em fotos. Olhou para uma foto em especial, onde estava sentado, com um dos pequenos no colo. O pequeno olhava para o alto, fitando o seu rosto, enquanto ele fazia uma careta misturada com um sorriso. Um vento forte entra pela porta da frente, e varre algumas teias de aranha da foto. Era começo da tarde.

O vento não parou pelas próximas quatro horas seguintes. Quando o sol começou a adormecer, a rua ficou cheia de pessoas saindo de suas casas, a maioria para comprar o pão, ou para brincar com o mar amarelo, que começava a aparecer nas calçadas. Até os cachorros gostavam. Ele colocou a poltrona do lado de fora do terraço e ficou olhando a rua. Ficou a olhando de olhos fechados, vendo aquilo que queria ver. Até que o vento ficou forte demais e derrubou um dos porta-retratos no chão. Aquilo o fez levantar-se, colocar as fotos numa das caixas, olhar a casa pela última vez e fechar tudo.

Entrou no carro e partiu para seu sonho. Deixou sua vida para trás.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Escuridão de Luz.

Dentro de uma floresta. Escura, densa. Árvores de copas altas, com muitas folhas mortas no chão, que respira vida. A medida que se anda, os pés afundam um pouco, invadindo a camada de terra extremamente fértil e de folhas secas. Sem sinal de vida animal. Olhando pra cima você só consegue ver a copa das árvores. Nos raríssimos espaços descobertos, o cinza domina. Sua vida parece monocromática. Você só consegue andar pra frente, tentando achar algo ou alguém correndo por entre as árvores. Nada.

Aquele vento frio corta suas bochechas. O único barulho é o das folhas secas quebrando sob seus pés. O vento invade, as árvores começam a falar, a conversar entre si. Você se vê só. Sempre andando no mesmo sentido. Suas pernas começam a pesar, e afundam cada vez mais no chão pegajoso. De repente, raios de luz começam a aparecer de forma mais regular, mas não mais sobre sua cabeça, e sim na sua frente.

Você começa a tentar andar mais rápido, mas só faz cair, novamente vítima do chão movediço. Depois da euforia você encontra seu ritmo de caminhada novamente, e torna a seguir em direção dos raios. Parecem golpes de espada, longos e finos, invadindo a floresta e "cortando" seus braços. Aos poucos os raios começam a ficar mais largos, e são as árvores que vão perdendo espaço na sua perspectiva, ficando cada vez mais magras.

Não são mais raios, são placas enormes de luzes. Imensas, que puxam você pra fora. Você só vê luz. Engolindo sua respiração, seus braços. Num sopro, você se vira e olha para a floresta, que não é mais engolida pela luz. Seus braços, se esticados pra frente, não são vistos. A luz engoliu o cinza. Metade sua está na escuridão da luz. A outra, no cinzento da floresta.

Nesse momento, você fecha os olhos, e sente os dois. Sente a dualidade. É frio e quente. Só o vento passa pelos dois ambientes. O vento é livre.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Lama

A família era normal. Classe baixa, casal com mais de 25 anos de relacionamento informal e depois oficial. Os filhos também eram normais. Estudiosos num dia, preguiçosos no outro. Viviam num bairro perigoso da periferia do Recife. Tudo sempre parecia igual, repetitivo, como a batida de um relógio. Todos os dias o pai ia trabalhar, os filhos iam para a escola - pelo menos era isso que diziam - e a mãe ficava lavando roupa. A sua e a das vizinhas, para aumentar a renda. Nos fundos da casa havia um lamaçal fétido, borbulhante. Exalava um cheiro insuportável. Todos evitavam ir aos fundos da casa para não sentir os restos daquele cheiro que entravam com a a ajuda do vento.

Certo dia a família recebe a visita de Flávio, o advogado. Ele falava em nome de uma grande empresa que queria comprar todo o terreno para a posterior construção de um conjunto de empresariais. O engravatado foi oferecer uma proposta financeira para que a família saísse do local sem disputas judiciais. O pai prontamente ouviu e gostou da proposta. A mãe, idem. Os filhos não se opuseram, principalmente depois de ouvirem que, além da proposta financeira, iriam ganhar uma casa mobiliada, sem custos adicionais, e com esgoto tratado, em outro ponto da cidade.

Negócio fechado. Todos foram comemorar na pizzaria. Não era todo dia que aquilo acontecia. A mãe fez escova no cabelo. O pai fez a barba. A filha usou esmalte pela primeira vez, e o filho tomou banho sem reclamar. Todos prontos, iniciaram a comemoração atravessando a rua, que fica pouco antes de um viaduto, para pegar o ônibus e aí sim chegarem à pizzaria. Durante a travessia, planos para a decoração dos quartos, da sala, e um atropelamento. Um carro, em alta velocidade, atropela o pai e a mãe. Os filhos, que foram empurrados para trás, tiveram apenas arranhões.

A mãe ficou em coma por três anos. Três anos. O pai morreu na hora.

Quando abre os olhos, a mão está rodeada pelos filhos. O menino tirou definitivamente aquele bigode ralo, feio. A menina tirou o aparelho e estava com um lindo sorriso. A mãe sabe, neste instante, sobre seu marido. O pai, marido, morreu. O anônimo. Depois da saída do hospital, em meio à lágrimas, a mãe procura saber o que se passou na vida dos filhos durante esse tempo. Mas quando percebe o caminho que o taxi está tomando, nota que estão indo para o mesmo lugar. O mesmo de sempre, a beira do viaduto. Prédios altos. Imponentes. Mas o lugar ainda fede.

Quando a mãe chega, percebe que o primeiro andar do tecnológico e moderno empresarial é um apartamento residencial. O seu apartamento. Com duas varandas. Uma para a BR que matou o pai e decepou sua vida. A outra para a parte dos fundos, onde a estava a velha lama, que nunca saiu de lá. Os filhos pedira, durante a obra, para a mesma ficar lá. A lama lembrava o pai, que vivia reclamando com eles mesmos para alguém começar a limpar aquela imundice e ir reclamar na prefeitura.

Todos riem do estresse e nervosismo do pai para com a lama. A lama virou da família.
Acarreta lembranças muito boas.

domingo, 6 de novembro de 2011

O Poder da Maior Invenção Humana: O Tempo

O tempo é a maior e mais complexa invenção do homem em toda sua história. E provavelmente nunca será superada. Nem mesmo a utopia da imortalidade conseguirá suplantá-lo. Em virtude de que o tempo engloba até mesmo o imortal. Ser imortal não significa ser atemporal. Nada escapa dessa invenção maior que o amor e que outros baluartes da civilização.

Sempre fui ligado ao passado. Sempre busquei reformar e estudar aquilo que vivi. Tentando, dentro da minha cabeça, fazer um passado diferente. Um passado que, pelo menos para mim, soasse melhor, me trouxesse mais tranquilidade, mais felicidade. Mas quase em todas oportunidades o efeito é exatamente o oposto.

Reconstruir o passado nos dá a oportunidade de ver como não tínhamos a menor capacidade de interpretar certas coisas no momento em que aconteceram, e que como nosso conceito de felicidade - sem dúvida a maior busca humana através do tempo - muda constantemente. Muda por que queremos sempre estar felizes, e para isso é necessária uma constante flexibilidade de sentimentos. Ser feliz não tem nada a ver com regularidade.

Sempre quis que o tempo me deixasse marcas mais visíveis e menos presentes que lembranças. Preferia cicatrizes, onde você pode escolher quando sentí-las, quando tocá-las. Nossas memórias nos comandam, nos levam a uma viagem que não queremos em muitos momentos e, por tabela, acabamos reinterpretando situações que estavam definidas dentro de nós mesmos.

Nada é definido no nosso passado. Ele é a maior representação da mudança.
Pensamos ter o maior controle sobre o passado, mas é o oposto. É ele quem decide quando aparecer, levando tudo pela frente. Destroçando o presente.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Toque.

Olhar para os lados, nada ver.
Nada tocar. Abrir as mãos, procurar e nada sentir.
Os dedos cerram e abrem mais devagar, na esperança de sentir algo desapercebido.
Fecha-se os olhos, numa desesperada tentativa.

Numa mudança de estratégia, olha-se para cima. Estrelas.
Uma construção ilusória se faz de repente, e se coloca várias estrelas nas mãos.
Mas é difícil sentí-las. Não são palpáveis como se quer naquele momento.

O sentido mais palpável continua sendo a visão.
Enxergar o distante e poder pensar o que quiser dele nos dá a dádiva de formar nosso próprio mundo.
Amanhece o dia. Pessoas começam a percorrer as ruas. Arrumadas, indo trabalhar.

Você tenta calcular o valor das coisas, o valor do sentimento que teve.
Não consegue.
Você também tem que ir trabalhar. Entrar no oceano junto com os outros.
Você tenta ser diferente. Ser notado. Ser melhor.

Mas o ônibus vem e você tem que correr.
O mais palpável que você conseguiu, enfim, foi a janela do ônibus, onde outros sonhos são construídos. Com os olhos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Passagem

O que é real?

Essa pergunta é feita por vários tipos de pessoas. Aqueles intelectuais "oficiais" em seus diversos encontros e simpósios; aqueles estudantes que acabaram de entrar na faculdade e que se deparam com esses questionamentos pela primeira vez de forma mais sistemática; como também aquelas pessoas que procuram entender o atual estágio de suas vidas, entre outros. Vivemos numa espécie de redoma, onde procuramos nos proteger de coisas que não gostamos ou não conseguimos suportar, criando barreiras como o medo, o esquecimento, a negação.

As barreiras que criamos diante de nós mesmos para nos travar em uma determinada zona soam como obstáculos propositais. Temos medo de seguir. Falhamos antes de começar. O que tocamos na realidade? O que conseguimos viver? Pode-se viver numa espécie de pesadelos repetitivos e de sonhos inalcançáveis, onde simplesmente não se consegue mais sentir onde começa um novo processo, ou onde nos perdemos no meio do caminho, andando em círculos numa teia infinita.

"Olhe a sua volta. O que é real?"
- Você é real. E você é o único que pode me ajudar, mas é tarde demais.

A projeção de nossas falhas e nossos arrependimentos dentro de nossa auto-estima e orgulho próprio esfacela nossas mentes e nos torna pessoas "mornas", que se dissipam no ambiente. Você já se pegou na rua olhando para determinado desconhecido, ou determinado ônibus, e pensando como seria se você conversasse com aquela pessoa, ou se você pegasse aquele ônibus? Estaria ali o amor da sua vida? Estaria naquele trajeto algo que se tornaria inesquecível pra você?

Vivemos em um constante estado de ilusões criadas por nós mesmos, para conseguirmos tirar os pés do chão e andar acima da sujeira. Tirando o véu lúdico, buscamos objetivos palpáveis, concretos, para podermos transformá-los em sonhos imensos, gigantescos. Criamos nossa própria realidade, até o momento que essa ilusão, travestida de mundo real, nos engole. Entramos numa tormenta de perguntas e indagações que consomem nossas mentes.

"Você terá muita sorte e seus problemas desaparecerão."


Forgive me.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Opeth - Hours of Wealth

Found a way to rid myself clean of pain
And the fever that has been haunting me
Has gone away

Looking through my window
I seem to recognize
All the people passing by
But I am alone
And far from home
And nobody knows me

Never heard me say goodbye
Never shall I speak to anyone again
All days are in darkness
And I'm biding my time
Once I am sure of this task I will rise again


domingo, 28 de agosto de 2011

Sincronicidade

As diversas ruas de saída do Shopping Recife possuem muitas coisas em comum. Alguns pontos são os constantes pequenos assaltos, e os pedintes. Os assaltos se dão frequentemente por meninos que usam bicicletas e roubam bonés e pulseiras de outros jovens que, frequentemente, se dirigem para o Shopping Recife. Os pedintes ficam em quase todos os sinais de trânsito que formam o entorno do Shopping. Um desses pedintes me chamou a atenção essa semana.

Sometimes I feel like I don't have a partner
Sometimes I feel like my only friend

Estava saindo do Shopping, de ônibus, e o veículo parou num sinal que dá para a Domingos Ferreira. Na calçada à minha esquerda, uma mãe sentada na calçada. Uma mulher com mais ou menos seus 30 anos (não se pode afirmar com certeza, em virtude do castigado rosto da mulher) e com, aparentemente, três filhos. Um deles muito novo, não deveria ter mais que 10 meses de vida. Os outros dois, maiores, recebiam trocados ao limpar vidros dos carros, atividade comum no Recife. Enquanto isso a mãe estava sentada no chão, com o bebê em seu colo.

Is the city I live in, the city of angels
Lonely as I am, together we cry

O bebê chorava muito, e a mãe tentava, com uma mão só, trocar sua fralda. A outra mão era usada para arrumar a blusa suja, que estava fora de lugar por causa do bebê, que a puxava constantemente. Enquanto isso, a mulher gritava a plenos pulmões para os outros filhos não pararem de andar entre os carros, para tentar conseguir algum dinheiro. Não obteve muito sucesso. O sinal parecia que tinha quebrado, e que ficaríamos eternamente parados ali. Muitas das pessoas que estavam na janela do ônibus - como eu - olhavam de forma petrificada para a mulher, e para o modo aparentemente rude que ela tratava o bebê.

A mulher e o bebê estavam sentados sob um papelão, para demonstrar algum sinal de limpeza. Mas tudo que não havia ali era isso. O menino tinhas as unhas pretas, sujas, e só o que aparentava assepsia era a fralda, que acabara de ser tirada do pacote. A sujeira de uma realidade que nos estapeia diariamente, mas que, com boas anestesias, estamos ficando cada vez melhores em suportá-la.

Nesse momento eu comecei a pensar em como chegamos a esse ponto. Em como uma distância de três metros é, simultaneamente, uma distância de mais de 400 anos de história. O rosto da mulher, sempre de sobrancelha arqueada, com raiva, pronta para alguma batalha que até agora ela parece não estar vencendo. E nem nós. Somos todos derrotados. Algo aparentemente sem volta.

O bebê continuava a chorar, e a mãe finalmente terminou de trocar sua fralda. Feito isso, ela o colocou sentado em seu colo, abriu uma sacola, pegou um pedaço de pão e colocou em sua boca. Ele mastigava com dificuldade, praticamente sugando o pão aos poucos, chupando o alimento. A mãe, agora com as duas mãos livres, voltou a ajeitar seu cabelo. A força lúdica da cidade e de seus problemas sociais se funde, de maneira inacreditável, com sua derrota e nojeira. Muitas vezes essas óticas diferentes não são analisadas, são escolhidas.

O sinal abriu, fomos embora.

It's hard to believe that there's nobody out there
It's hard to believe that I'm all alone

(...)

But I stay.

*Trechos em negrito da música "Under The Bridge", do Red Hot Chili Peppers.

domingo, 7 de agosto de 2011

O Curso de Inglês

Apesar de sempre termos uma relação difícil com o passado, não importando se ele foi bom, ruim, ou se teve ambos os momentos, ninguém pode negar que, algumas vezes, é muito bom sentir saudade. E principalmente quando ocorrem certas lembranças de coisas que estavam completamente apagadas de sua memória. Ou tão bem guardadas que você as julgava sem qualquer importância. Ou pior: que você se dá conta que lembrava delas todos os dias, religiosamente, mas com outra roupagem, não dando à lembrança o devido valor.

Uma lembrança que tenho muito viva em minha memória é a dos meus anos no curso de inglês. Eu era bem jovem e sequer pensava em problemas de relacionamento com amigos, neuroses sobre o futuro ou auto-afirmação. Pelo menos quando estava dentro daquela sala, todas as terças e quintas, das 15h30 às 16h45, durante mais ou menos 6 anos. Era um universo paralelo tão bom, tão sadio, tão engraçado, tão lúdico, que eu me sentia, regularmente, capaz de qualquer coisa dentro daqueles muros.

Parecia que eu usava uma roupagem nova sempre que a hora do curso se aproximava. Eu deixava as dúvidas e inseguranças dentro do armário, junto com minha roupa de ficar em casa, e ia para a aula com outra roupa: a da confiança, da distribuição de alegria e bons relacionamentos. Tudo era mais leve, tudo era mais saudável. Era tudo melhor. Desde o professor, fã de cavaleiros do zodíaco e um dos maiores exemplos de educadores que tive, o grande professor Ota, até os especiais de final de nível, quando fazíamos covers vergonhosamente ruins, mas que eram motivos de risadagens.

Como não lembrar também das paqueras de filmes de sessão da tarde que eu e meus amigos cultivávamos. Foi no curso de inglês que tomei meu primeiro fora. E lembrando de hoje, é engraçado ver como era tudo tão levado a sério, tão adulto. Me pergunto se hoje todos nós não continuamos cometendo esse mesmíssimo erro... Lembro como foi bom construir amizades com amigos apreciadores de Metal. Alguns intolerantes, engraçados. Outros abertos à opiniões, e igualmente engraçados. Também me recordo como era sair da aula, tomar aquele velho copo d'água e deixar as meninas na rua da casa delas. Isso uma atitude adulta e de um gentlemen, para um menino de 13, 14 anos.

Lembro como me senti quando soube que Ota era apaixonado pelo Red Hot Chili Peppers, e sabia tocar tudo em sua guitarra, quando ensaiava com sua banda "O Olho que Tudo vê". E de como em todo exerício que tínhamos que trabalhar a audição, lá estava Anthony Kiedis na fita cassete do som. Me dando conta agora, Ota deve ter sido o principal responsável pela minha idolatria pelo RHCP. e pensando mais profundamente ainda, ele deve ter sido o primeiro exemplo real de professor "ideal" que tive na vida, e que, a partir dali, já tenha feito eu me encaminhar pro universo da educação. Bem, ninguém é perfeito.

O encerramento do curso foi da melhor maneira possível: num hotel, em Recife, com todos nós recebendo nossos certificados, e batendo um papo com o Angra no hall do hotel. Angra que, na época, para nós, era o auge do Metal. Lembro de como estávamos curiosos para nos encontrarmos sem as roupas normais das aulas: bermudas, bonés, saias curtas, camisas velhas etc. Lembro de como foi uma despedida sem a menor ideia e peso de que não nos veríamos mais. Disso eu me arrependo. De ter dado pouco valor. Ou talvez eu esteja errando hoje, de dar valor demais aquilo. Vai saber.

Atualmente mantenho um contato tímido com duas pessoas daquela época. Daquela sala. Mas passo quase que diariamente em frente ao curso. E todos os dias sinto uma vontade incomensurável de adentrar aquele prédio de novo e sentir aquelas paredes: se o quadro de avisos está no mesmo lugar, se já trocaram de novo o local da secretaria, se ainda existe aquele pequeno jardim em frente a cantina. Se os professores são os mesmos. Farei isso. Resguardar aquela felicidade inocente e fantástica do fundo do baú. Ou do fundo da mente. Exercitemos nossas lembranças. Não nos esqueçamos delas.

Essa nostalgia eu faço questão de ter quase que diariamente.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A vida como 3 segundos de música.

Olhar pra cima, como o mais claro sinal de pensar no futuro, e estar, ao mesmo tempo, vendo o passado. Buscar uma saída no mais perfeito modelo de perdição, que é o escuro do céu. Contradições que trazem uma esperança inexplicável, mecânica, automática. Burra.

Sem frases feitas de líderes religiosos, de caminhoneiros. Percebe-se a construção de buracos negros. A mente vai se perdendo nos sonhos. E são poucos aqueles que conseguem viver uma fantasia real. Viver no fio da navalha entre o real e o sonho, se equilibrando na fantasia.

A poesia sempre perderá para o real. Felizmente, depois daqueles 3 segundos de música, onde fechamos os olhos e sorrimos; onde tudo parece fácil, vem todo o resto do tempo. Real. E uma gama de possibilidades. Pelo menos em teoria.

Onde está o caminho trilhado, a anotação feita no diário?
Aquelas estrelas que sempre serviram de guia, se apagaram.
Até o passado morreu. Com a morte da luz, as escuridões aumentam.
Tenta-se andar pra frente, tenta-se andar em alguma direção, como um calvário.

Sente-se inveja dos robôs, dos cães, dos pássaros.
Sente-se inveja apenas do instinto.
Percebe-se o peso da razão. E do nosso instinto.
Não é pra todos.

Percebe-se a perda quando a maior glória do dia é deitar a cabeça no travesseiro.
Como se tivesse conseguido uma vitória.
Quando, na verdade, a maior vitória é não perder mais.
Não perder mais a esperança.

Sem frases feitas. Elas não fazem mais sentido.
Atualmente, o que resta são os 3 segundos. Vivemos sob aspirações de papel, onde uma lágrima pode acabar com tudo, ou criar uma nova forma.

sábado, 14 de maio de 2011

Paths.

Por vezes se sonha estar a beira de um penhasco muito alto, com os aondas do mar batendo cada vez mais forte nas pedras, na base do monolito. Ao mesmo tempo em que o fim de tudo pode estar a distância de um passo infalso, também se sente a total liberdade, ao se sentar a beira do nada e sentir o vento cortar o rosto e pentear os cabelos, fazendo os olhos se fecharem automaticamente, para que possamos ver apenas o que queremos, em nossos sonhos e aspirações. Quando fechamos os olhos, entramos numa dimensão completamente nossa, e ao mesmo tempo, aberta a tudo e todos. Conseguimos ver, nitidamente, o infinito.




Nossos ouvidos conseguem traduzir da forma que queremos o encontro das águas com a base do penhasco. Inclusive o barulho que a água faz ao retroceder, para apenas alguns segundos depois, tentar mais uma vez avançar contra o rochedo. Pode-se imaginar tudo em cima das sensações que temos. E quando aquela gota d'água, numa trajetória que você mesmo julgaria impossível até alguns segundos atrás, consegue se deslocar da massa gigantesca de água e correr até o seu rosto, na beira do penhasco, você sorri, fica surpreso, retira a gota com o seu dedo, e a olha. Nada pode ser mais difícil que aquilo.

Ao seu lado, no penhasco, existe uma pedra solta. Você a pega, levanta-se e joga no mar, com toda a sua força. Enquanto ela voa, você imagina onde ela cairá, em que posição ficará embaixo d'água. E se alguém, algum dia, irá encostar naquela pedra de novo. E o que sentirá quando resgatar aquele resto de penhasco do fundo do mar. Será que aquela pessoa sequer suspeitará que essa miserável pedra foi fruto de uma reflexão de boteco por parte de outra pessoa, anos antes, do alto daquele penhasco que está à sua frente? E o que será que aquela pedra viu, passando tantos anos submersa?

Você jogou a pedra no mar. Depois virou-se, limpou os restos de poeira que ficaram na calça, e voltou pra casa pra almoçar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Racism: A History

Mais uma recomendação audiovisual.

A BBC é famosa mundialmente por produzir os melhores documentários do planeta, usados pelas mais diversas redes de televisão. Tanto na parte técnica quanto nos temas abordados, a rede estatal inglesa está muito a frente até mesmo de TVs pagas, como o Discovery e a National Geographic, por exemplo.



Há tempos não via documentários da BBC, até que um me chamou a atenção e o assisti. "Racism: A History". O que o documentário tenta é produzir uma retrospectiva de como o conceito de racismo foi institucionalizado na sociedade, principalmente na sociedade ocidental, desde os primórdios da chamada "civilização".

Passando pelos Gregos, até o início do conceito propriamente dito, nos séculos XV, XVII, através dos célebres debates de Bartolomé de Las Casas e Sepúlveda, atravessando o Imperialismo Europeu e as diversas atrocidades esquecidas ou camufladas ao longo da história, provando que a burocracia da morte do nazismo não foi um aborto, e sim o resultado de um sem-número de casos, que a História oficial prefere ocultar.

O documentário é dividido em 3 partes, de 58 minutos cada uma, onde ocorre realmente uma retrospectiva cronológica, com entrevistas e debates realizados com professores e estudiosos das melhores universidades européias e africanas. São entrevistados desde professores eméritos de Harvard, passando por professores Adjuntos da Universidade de Chicago, até escritos e estudiosos da Namíbia e Serra Leoa.

Ótimo material, tanto para leigos quanto professores.

Esse documentário prova, mais uma vez, que a História da humanidade nada mais é do que um amontoado de acontecimentos e histórias especificamente escolhidos e colados para justificar atitudes.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Quarto Poder.

O filme é uma alegoria perfeita do poder que mídia pode ter sobre a opinião pública, de como as mentes das pessoas são constantemente manipuladas por aqueles que são os “fabricantes” da informação dita “oficial”. A manipulação e condução da palavra; do discurso; da “verdade”, nos coloca em frente a frente com nossas próprias crenças, e percebemos como somos volúveis a estímulos externos, como uma entrevista conduzida visando determinado objetivo, como salvar a honra de alguém, por exemplo; ou, ao contrário, depreciar uma pessoa. É isso que o filme “O Quarto Poder”, do premiado diretor Costa Gravas, mostra.

O filme retrata como a mídia pode condicionar a opinião de uma nação inteira, visando atingir determinada meta. No caso retratado do filme, a busca cada vez maior por audiência. Abrangendo conceitos como ética e imparcialidade, “O Quarto Poder” demonstra que pessoas “comuns” estão completamente sujeitas a uma pequena elite formadora de opinião, e que a chamada “opinião pública” não passaria de uma imensa massa de manobra na mão desses poucos mandatários da informação.

No filme, um ex-segurança de museu é demitido, sob a alegação do corte de gastos da administração. Transtornado, ele tenta falar com a diretora do museu, intimidando-a com uma arma e explosivos guardados em uma bolsa. Nesse meio-tempo, um grupo de crianças visitava o local, sendo envolvidas na situação. O ex-segurança tranca a si mesmo, e aos outros citados dentro do museu. Ao mesmo tempo, um jornalista, que estava ali para realizar uma matéria de pouco apelo, vê-se, dentro do banheiro do museu, envolvido naquela que pode ser a maior história de sua carreira. O que se vê depois daí é a sociedade norte-americana mobilizada hora no apoio, hora no desagrado das ações do ex-segurança, e de como o repórter, alegoricamente representando a força da mídia, conduz a reportagem de maneira objetiva, com fins de um aumento maior de audiência, não se importando verdadeiramente com a segurança das crianças, nem mesmo com a sua, ou ainda com a resolução do problema.

Mostrando que a busca por objetivos e manipulação está muitas vezes acima de conceitos morais, o filme atesta como estamos completamente vulneráveis e de que a busca por informação de qualidade e idônea (estes também conceitos extremamente complexos nesse âmbito) pode se tornar uma corrida extremamente estafante e neurótica. Em quem confiar? Como acreditar em informações e instituições? A quem elas estão arraigadas? Um filme, realmente, que faz pensar.