domingo, 11 de dezembro de 2011

Portas.

Estava de mudança. Tinha conseguido comprar a casa que sempre quisera durante sua infância. Passou anos e anos passando na frente daquela casa todos os dias, indo para os mais diversos lugares, e o mundo sempre parecia que parava quando ele entrava em seu campo de visão. Finalmente a havia adquirido. Agora restava apenas uma parte da mudança. Mãe e pai mortos, mulher divorciada. Ele fazia a mudança sozinho. Cinco ou seis viagens por dia, colocando tudo que ele julgava de valor dentro do seu carro, e levava para a casa nova. Esse operação já durava alguns dias. Estava terminando. Era a última viagem. Chegou na frente da casa e ficou admirando as duas árvores que ficavam na frente, que ele mesmo havia plantado. Davam flores amarelas lindas, mas nunca deram frutos. Pouco importava. Em determinada época do ano a rua ficava parecendo um mar amarelo tênue, com as pequenas flores voando ao sabor do vento.

Abriu o velho portão de ferro, subiu o lance de escadas e abriu a porta. Havia uma poltrona, alguns retratos em cima da prateleira, duas caixas perto da escada que dava para o segundo andar, e poeira, muita poeira. Algumas teias de aranha se amontoavam perto dos porta-retratos. Ele sentou-se na poltrona e começou a olhar a casa, começou a ver o lance de escadas como era há vários anos, quando todos subiam correndo para ver quem chegava mais rápido no banheiro, pra tomar banho logo. Olhou para o térreo, e lembrou da mesa de jantar cheia, e de como ele sempre conseguia disfarçar e limpar a boca suja de molho de tomate na própria toalha de mesa, seguro de que ninguém estava vendo. Aos poucos, esse sentimento de fazer tudo escondido foi substituído por indiferença de todas as partes.

Olhou para o corredor e viu a porta do porão, onde os pequenos tinham medo de chegar perto. Nunca entendeu a revolta dos filmes americanos com o porão. Por causa dele os pequenos nunca o ajudavam a limpar aquele lugar. Sempre perdia um domingo de folga varrendo e tirando as teias. Mais teias.

Olhou os porta-retratos, e se lembrou de como nunca gostou de fotografias. Como ele as enxergava não como um passado, mas como uma espécie de blefe. Um engodo que permanecia intocado por gerações, e de como aquilo o incomodava. Incomodava porque ele mesmo não conseguia fazer nada de diferente - e na opinião dele, nada de mais sincero - ao sair em fotos. Olhou para uma foto em especial, onde estava sentado, com um dos pequenos no colo. O pequeno olhava para o alto, fitando o seu rosto, enquanto ele fazia uma careta misturada com um sorriso. Um vento forte entra pela porta da frente, e varre algumas teias de aranha da foto. Era começo da tarde.

O vento não parou pelas próximas quatro horas seguintes. Quando o sol começou a adormecer, a rua ficou cheia de pessoas saindo de suas casas, a maioria para comprar o pão, ou para brincar com o mar amarelo, que começava a aparecer nas calçadas. Até os cachorros gostavam. Ele colocou a poltrona do lado de fora do terraço e ficou olhando a rua. Ficou a olhando de olhos fechados, vendo aquilo que queria ver. Até que o vento ficou forte demais e derrubou um dos porta-retratos no chão. Aquilo o fez levantar-se, colocar as fotos numa das caixas, olhar a casa pela última vez e fechar tudo.

Entrou no carro e partiu para seu sonho. Deixou sua vida para trás.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Escuridão de Luz.

Dentro de uma floresta. Escura, densa. Árvores de copas altas, com muitas folhas mortas no chão, que respira vida. A medida que se anda, os pés afundam um pouco, invadindo a camada de terra extremamente fértil e de folhas secas. Sem sinal de vida animal. Olhando pra cima você só consegue ver a copa das árvores. Nos raríssimos espaços descobertos, o cinza domina. Sua vida parece monocromática. Você só consegue andar pra frente, tentando achar algo ou alguém correndo por entre as árvores. Nada.

Aquele vento frio corta suas bochechas. O único barulho é o das folhas secas quebrando sob seus pés. O vento invade, as árvores começam a falar, a conversar entre si. Você se vê só. Sempre andando no mesmo sentido. Suas pernas começam a pesar, e afundam cada vez mais no chão pegajoso. De repente, raios de luz começam a aparecer de forma mais regular, mas não mais sobre sua cabeça, e sim na sua frente.

Você começa a tentar andar mais rápido, mas só faz cair, novamente vítima do chão movediço. Depois da euforia você encontra seu ritmo de caminhada novamente, e torna a seguir em direção dos raios. Parecem golpes de espada, longos e finos, invadindo a floresta e "cortando" seus braços. Aos poucos os raios começam a ficar mais largos, e são as árvores que vão perdendo espaço na sua perspectiva, ficando cada vez mais magras.

Não são mais raios, são placas enormes de luzes. Imensas, que puxam você pra fora. Você só vê luz. Engolindo sua respiração, seus braços. Num sopro, você se vira e olha para a floresta, que não é mais engolida pela luz. Seus braços, se esticados pra frente, não são vistos. A luz engoliu o cinza. Metade sua está na escuridão da luz. A outra, no cinzento da floresta.

Nesse momento, você fecha os olhos, e sente os dois. Sente a dualidade. É frio e quente. Só o vento passa pelos dois ambientes. O vento é livre.