quinta-feira, 19 de março de 2009

Wavering Radiant



“’Quando os mortos choram, é porque estão começando a se recuperar’, disse o corvo em tom solene.

“’Lamento ter de refutar meu amigo e colega ilustre’, disse a coruja, ‘ mas, no que me diz respeito, creio que quando os mortos choram, significa que não querem morrer’ “.

Collodi, As Aventuras de Pinóquio.

Quando eles entram na casa do velho, “X” nota algo familiar: O pássaro, que pairou sob a sua cabeça durante vários dias, estava comportadamente quieto, em cima de um porta-retratos grande. O porta-retratos tinha uma foto linda: Um grupo de cinco amigos abraçados, fazendo pose engraçada para o fotógrafo. “X” olhava fixamente para a foto, enquanto as folhas secas invadiam a casa do velho.

A casa era o que havia de mais aconchegante. Tinha poltronas com aspecto de antigas, confortáveis, e com cheiro de “vovô”. “X” olhava para a imensa prateleira de livros do lado esquerdo. Havia de tudo. De Charles Bukowski à Dostoiévski. Literatura antiga, como a Epopéia de Gilgamesh, até “A Invenção da Solidão”, de Paul Auster. “X” era fanático por livros, e começou a abrir alguns, com a imensa cortina de poeira subindo em cada nova página virada.

- Como o senhor permite que seus livros fiquem nesse estado?

São apenas as idéias dentro deles que importam, garoto. Já li todos. A cada nova página lida, eu respirava fundo, como se tentasse absorver cada palavra do autor, e, em seguida, tentasse adequar à minha vida.”

- Eu sempre me imagino realizando uma obra desse porte [pegando o livro de Kafka, A Metamorfose] Me imaginando realizando algo realmente importante. Mas sou inteligente o suficiente para saber que não tenho capacidade para tal coisa.

“Você se imagina sendo um rapaz problemático, que tinha problemas com o pai, era apaixonado pela irmã e se apegava a mãe de maneira doentia? Se imagina sendo uma pessoa que escreveu uma das maiores obras da literatura contemporânea em pouco mais de 10 horas, e depois foi internado no hospital?”

Risadagem geral. Até o pássaro riu.

“Me chamo Glaube”, disse o velho. “Moro aqui desde que nasci”.

O senhor deve ter muitas lembranças desse local, da sua infância.

- “Sim, mas nem sempre isso é bom. Nem sempre é bom ter lembranças.”

Por quê?

- “Porque a memória é o espaço em que uma coisa acontece pela segunda vez. Você deve entender isso, você tem boa memória. Além disso, você dá um valor exagerado para ela. Você a deixa viver. Já eu”, continuou Glaube “, percebi que a força da memória é avassaladora, mas fiz tal descoberta tarde demais.”

Que foto linda. Quem são aqueles?

- “O do meio sou eu. Os outros quatro foram amigos importantes em minha vida. Foi a única foto nossa que sobrou. O resto eu simplesmente perdi.”

Colocando a mão no peito, Glaube enrijece o rosto. “Essa cicatriz é de quem errou muito e foi castigado. É de quem achou que entendia muito de tudo. De alguém que recebe uma penitência desde então. É de alguém que nunca entendeu realmente de que são feitos os sentimentos.”

“X” pára; pensa e diz: “Para ser ouvido em silêncio, para ser abraçado nas noites... O senhor não precisa se martirizar por erros do passado. Ou fatos que o senhor julga errados. O aprendizado pode não ter sido muito fácil. De fato ele nunca o é. Alguém com o seu dom, de despertar as pessoas, de fazê-las sorrir, é alguém muito importante para não ser ouvido. Ou é muito burro, ou é um covarde.”

Começa a chover forte. O pássaro enfia a cabeça entre as asas e dorme.

O velho ri. “X” levanta e se encaminha para a porta, quando ouve o Glaube falar: “E alguém que diz que é mais forte que os demônios deveria vencê-los de forma definitiva. E não brigar um pouco, todos os dias, para fazer desse acontecimento o parco sentido de sua vida.”

“X” ri, toma o último gole do café, e de “tchau” pro pássaro.

Amanhã, eu recolho as folhas.

“Ok. Boa noite meu filho.”



2 comentários:

  1. Mau, o texto evolui a cada postagem.
    Simplesmente muito bom, gosto deveras.

    Por favor, continue! :D

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  2. Seria muita petulância do homem crer que poderia viver sempre só, sem depender de ninguém. E seria tudo muito bonito se só as boas lembranças ficassem. Aliás, nem seria bonito. Seria fácil demais. Engraçado é ter más lembranças pra poder rir, quando se passa por cima. Ou seja, até dá pra queimar umas folhas secas. Mas isso tem que ser feito toda estação, e não acumula-las por toda a vida, naquele amontoado no jardim, que vão engolindo sua casa. Queima, sacode, deixa cair e queima de novo. Posar de forte é pior. Tem que escancarar o peito mesmo, sem vergonha. Mantem-se o fluxo. Entrada e saída. E assim vai.

    Publica essa porra em algum canto.

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