Amanheceu.
E, pásmem, não tinha ventado nada a noite toda. Mesmo assim, não havia feito calor. A temperatura estava amena, na casa dos seus 23°, 24°. Mas nada de vento. "X" abriu a janela e viu resplandecer do outono. Folhas amarelas cobriam o verde do gramado. Ele sempre tivera uma fascinação pelo outono. Por suas árvores secas, retorcidas. Fez um café e, depois de tomá-lo, foi recolher as folhas, como havia prometido na noite anterior.
O pássaro não o seguia mais. Bom sinal. Parecia que ele havia "resolvido" algumas de suas celeumas internas com aquela conversa da noite passada. "Parece que finalmente eu começo a entender o que passou, e o que ainda poderá vir."
Havia, finalmente, colocado o seu tempo em ordem?
Depois de recolher todas as folhas, o vento apareceu. Intenso. Contínuo. Da janela, Glaube soltava a gargalhada.
- Deixe os mortos em paz, garoto! Não é você que fará com que eles se acalmem!
"É. Na verdade , eles sempre me irritam, isso sim."
Glaube sentou-se ao lado dele, embaixo da árvore.
- Sabe... Quando passamos por determinadas fases na vida, vamos aprendendo lições e dndo valor para coisas que, anteriormente, julgávamos insignificantes. Principalmente quando caímos. Essa minha cicatriz aconteceu há vários anos. Eu e meus amigos, aqueles da foto, tínhamos uma relação muito forte, havíamos passado por muita coisa juntos, principalmente por muitas alegrias. Nosso ponto fraco eram justamente as tristezas. Não as conhecíamos muito bem.
O problema é que, exatamente por causa disso, cada um tinha uma ótica diferente do que eram as 'tristezas'. Quer dizer, a minha diferia - e sempre diferiu - da dos demais. Por isso, quando surgiram os desentendimentos rotineiros à amizade, eu fraquejei. Deixei que as tristezas tomassem conta da minha amizade, e eu acabei a perdendo para ela, a tristeza. Fiquei só. Minha vida era um palácio imenso, um palácio dos mortos. Nada tinha organicidade.
Dessa fase, apenas fotos. Nada mais. E em fases posteriores até as fotos eu aboli. Não queria lembranças, não queria ser vítima, de novo, da memória. Até que eu me dei conta que era exatamente isso que eu estava sendo. Não permitia que novas lembranças adentrassem em minha vida, em virtude de um retorno que não veio - como de fato não poderia vir.
Eis que apareceu você, meu caro X. Nossa memória de ontem, tomando aquele café, foi a coisa mais feliz que me aconteceu em muito tempo.
"Mas como posso saber que não vai acontecer a mesma coisa comigo? Minha relação com minha própria vida é platônica. Parece que eu sempre espero algo que está vindo, que está chegando, mas eu eu nunca consigo ver. Nunca chega. Pelo menos nada do que eu estava esperando. "
- Como eu disse, você já despertou. E é, finalmente, hora de olhar pra você. Não através de espelhos, e sim dentro de você. Perceba o dilema de ser especial, ser escravo da memória, e ao mesmo tempo viver para proporcionar boas lembranças às pessoas. Mas, em primeiro lugar, livre-se de seus demônios.
"X" olhou e disse: "Muito prazer. Me chamo Creasy".
- Credo. Prefiro X.
Os dois se levantaram e começaram a caminhar através das folhas. O curativo que estava sob o peito de Glaube descolou, caiu. O vento havia parado de novo, e mesmo assim, continuava sem haver calor. Creasy volta correndo para sua casa e sai com uma bolsa. Dentro, duas canecas, e uma garrafa térmica cheia do café feito pela manhã.
Um jovem e um senhor, igualmente ignorantes, perceberam que ser escravo de lembranças, sejam elas boas ou más, engendra os sonhos. Planos estavam sendo feitos naquele momento, naquele papo. Planos de quem havia se dado uma chance de algo diferente.
Quem sabe, viver? Não simplesmente tentar, e sim conseguir.
Sorrir?
Fim. Começou a nevar.
Os mortos só são lembrados para ajudar os vivos. É bom deixa-los quietos, mas só lembrar para melhorar o presente.
ResponderExcluirUou.
ResponderExcluirBelo final... Quanta solidão e encontros.
Cristo!
Você entenderia se eu dissesse que não estou num estado interessante para comentários?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBelo texto, rapaz! Que beleza mesmo!
ResponderExcluirMas sobre o começo, de não ventar e não fazer calor, tenho certeza que isso não se passou em Recife!
Abraço
(Esse comentário de Marina fui eu, tava logado com gmail da minha turma de Mercosul da faculdade, foi mau)
Eu comecei a ler do post "Mau." Um tanto contraditório, não? Ou houve alguma grande reviravolta. Olhando assim, desistir no primeiro tapa parece, de fato, a opção menos dolorosa (a curto prazo).
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