terça-feira, 26 de maio de 2009

Estuda, mininu!

Lembro de quando eu tinha 7, 8 anos, que todo meu futuro estava traçado por mim mesmo e pela minha família. Aquela era uma saudosa época onde eu não tinha personalidade formada, segundo o psicólogo Erik Erikson, e, por causa disso, as nossas opiniões sempre casavam. Sem conflitos, sem disse-me-disse, sem picuinhas familiares.

Tudo isso fora conquistado simplesmente por eu atender às expectativas depositadas em mim, o jovem prodígio. Ninguém da minha família jamais tinha cursado uma faculdade pública. Ninguém. E eu, o menino anti-social que adorava ficar conversando com o avô sobre astronomia ou os futuros políticos da nação, era visto como o candidato a Kofi Annan da família. Adorava esse posto. Eu era valorizadíssimo, e minha soberba fazia eu me colocar ainda mais no alto do que a minha família bradava.

Dos meus cinco primos, um enveredou pela cana-de-açúcar, numa longínqua época que a mesma ainda dava grana para empreendedores médios e não apenas para usineiros colossais, e ficou rico. Teve uma vida de bacana. Teve. Hoje em dia se fode na mão de agiota, mas não perde a pose de bacana. Eita, classe média-metida-a-rica! Vive num engenho de respeito, mas não quer que ninguém saiba como ele não dorme à noite, em virtude de sua mulher metida a bacana ter comprado uma poltrona verde de 6 mil reais e ter dado o boleto de pagamento pra ele. Além de escravizar centenas de trabalhadores no cultivo da cana, ainda recebe ordens desse tipo da perua. Francamente.

O outro primo, por total falta de aptidão para coisas difíceis, foi gerir uma "frota" de 5 caminhões de... Cana-de-açúcar, rá! Teve as mais diversas oportunidades nos mais diferentes campos de atuação profissional: Banco do Brasil, faculdade de administração, gerenciamento de oficinas no Maranhão, etc. Engravidou a namorada duas vezes, à qual teve dois abortos espontâneos. Depois, tomou gaia e a ameçou de cortar sua orelha. A menina fugiu da cidade, e ainda ficou com fama de puta. E ele, com fama de homem digno que queria recuperar sua honra.

O irmão desse bebeu, em 4 anos, muito mais que a Janis Joplin em toda sua curta carreira. Brigava 2, 3 vezes por semana em botecos na cidade onde morava. Numa dessas noitadas tresloucadas, conheceu sua Maria Lúcia, tipo aquela da Faroeste Caboclo. Mudou sua vida, benhê! Formou-se em Agronomia e Biologia, e agora é dono de posto de gasolina, casado e com dois filhos lindos. Precisou quase meter uma bala na cabeça do irmão, depois de uma bebedeira, pra acordar. Boooa, Maria Lúcia!

Uma casou com marido rico que tá falindo. É a crise.

A outra, tomou financiamento de 100 mil reais pra abrir seu próprio negócio. Quebrou com 6 meses. É a crise.

E eu! O moleco sem assunto por ser intelectualóide demais e sempre ter uma opinião diferente da dos demais, e, até um certo momento, onde a harmonia reinava, ser considerado inteligente demais por isso. Vejam só, a pessoa discorda de 5 outras, todas elas com 40 anos a mais, e é considerada inteligente. Claro que isso não podia durar pra sempre.

Me lembro de quando chegava na casa dos meus avós, que minha avó vinha andando com dificuldade, em virtude de seus 100kg muito mal distribuídos, festejando que tinha preparado 2 bolos pra mim, e comprado o "pão caseiro". Perguntava das namoradinhas, da escola e da vida em geral. Era gostoso. Me lembro do meu avô, sentado na cadeira, apenas esperando eu sentar do lado pra papearmos. É, vô, eu cheguei. Chega desse papo de novela. Vamos falar do terremoto que ocorreu no Irã. O senhor viu? Onde foi o epicentro? Qual placa tectônica entrou em atrito com qual?

Depois que adquiri a personalidade (?), tudo mudou. O bonito passou para arrogante. A perspicácia (tudo isso na ótica dos outros) passou para grosseria. Os conceitos, explodam de raiva os conservadores, são fluidos e mudam de significado a cada momento. Hoje em dia, o menino que era o futuro acadêmico da perfeita família, estuda para adentrar no antro dos porcos capitalistas, camarada! Ele vai ajudar na exploração dos países do terceiro mundo!

Mas ganhará dinheiro.

Basta.

Né família?

Vai estudar, fdp! 

2 comentários:

  1. Mau, adorei o tom ácido do texto.
    Muito bem escrito.

    Arrasô!

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  2. Um dia meu pai me disse, filha, você é a ovelha negra da família.

    Coisa de caçula. Já sofri disso também. Só que eu sempre fui o sem-perspectiva, então eles tinham um tantinho de razão nas cobranças. Não sou o filho médico, mas me viro sozinho.

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