domingo, 4 de julho de 2010

Runaway

Dois jovens estavam sentados num banco, que dá para o lago da cidade. Geralmente as pessoas iam ali para apreciar o por-do-sol, para comer depois do trabalho, para jogar conversa fora, ou simplesmente para terem uma visão diferente da cidade em que viviam. O clima bucólico do lago e da grama em volta dele, cheio de árvores, dava a ilusória sensação às pessoas de viverem em um local tranquilo, calmo, reflexivo. Na maioria das vezes, "o lago", como era conhecido, era ponto de encontro de conversas. Conversas essas quase sempre despretensiosas, que são, sem dúvida, as mais importantes que temos na vida.

Os dois jovens se conheciam desde criança. Um deles era extremamente talentoso. Músico, guitarrista e pianista. Todos tinham a mais absoluta certeza que ele teria um futuro promissor pela frente, se continuasse a se dedicar aos ensaios, treinos e composições. Paralelamente a isso, sempre foi acometido por sérias enfermidades ao longo de toda sua pré-adolescência e adolescência propriamente dita. Isso progressivamente mudou seu jeito de encarar o mundo e os problemas. Não fez muitos amigos durante seus anos de vida, mas mesmo assim era muito admirado por todos que o conheciam, mesmo que fosse apenas de nome, ou de ouvir falar.

O outro tinha uma personalidade diferente. Era engraçado, falava bem em público, apaixonado por esportes. O típico boa praça, que não tinha nenhuma dificuldade de se enturmar em locais novos. Apesar disso, não tinha nenhum talento especial. Alguns poderiam dizer que o maior talento dele estava exatamente na simplicidade com que construía as relações ao seu redor. Era sempre muito querido onde quer que fosse, e as pessoas cobravam sua presença com alguma regularidade. Pela sua desenvoltura e capacidade de socialização, ninguém achava que ele teria problemas para arrumar um emprego e se encaminhar na vida. Ambos tinham exatamente a mesma idade. E há muito tempo não conversavam. Se encontraram no parque por acaso; compraram um saco de pipocas cada um, e resolveram sentar no dito banco para colocar algum dos papos em dia.

Lembraram-se de como conversavam por horas a fio, varando madrugadas, sobre o sentido da vida, sobre como conseguir encontrar uma rota de felicidade, ou pelo menos de aprendizado, de lições. As visões de mundo de ambos, apesar de muito diferentes, quase sempre se completavam. O primeiro jovem relembrou o autêntico estado de depressão que passou durante quase uma década, por conta das doenças e da imensa expectativa que todos colocavam nele desde que se entendia por gente. A doença que foi acometido acabou por completar o quadro de desordem que sua vida se tornara. Ele dizia na conversa que não queria servir de modelo de superação para ninguém, pois não acreditava nessas temáticas de auto-ajuda, mesmo com todos sempre o pedindo conselhos e relatos de histórias de vida (nesse caso, da vida dele).

O outro comentava que sempre viveu a vida achando que um curso meio que natural o levaria a conquistar alguns de seus objetivos. Ele dizia que sempre tentou corresponder Às metas que eram designadas para ele, que raramente andara fora da linha, e que achava que, por isso, receberia algum tipo de "resposta" por conta de toda essa rota vivida. Depois de uma adolescência normal, com altos e baixos, como a de qualquer pessoa, ele agora percebia que as respostas que tanto esperava e procurava não estavam aparecendo. Ou pelo menos não eram as respostas que ele esperara por tanto tempo. Sentia-se frustrado. Triste. Dizia que o lago o fazia pelo menos pensar com mais objetividade, deixando seus velhos romantismos de lado.

Os dois conversavam bastante acerca de decepções, amores, esperança, fé. O primeiro dizia que não entendia bem tais conceitos. Que nunca tinha tido tempo para pensar mesmo a respeito dos mesmos. O segundo achava que os tinha muito claros em sua cabeça, pois o que mais tinha feito durante toda a sua vida era pensar, refletir, analisar situações e sentimentos que achava que sentia. O segundo se dizia muito incompetente em agir. Que era tão eficaz no campo dos projetos e das idéias, que não sabia como caminhar fora dessa redoma. E que estava começando a se aventurar nesse mundo apenas agora. O segundo riu. Não conseguia acreditar.

O primeiro não acreditava em castigos, pecados, boas ações. Ele acreditava apenas no aqui e no agora. Na beleza do momento, e de como as pessoas sempre tentam negar o "agora" simplesmente pela comodidade de analisar o passado ou sonhar com o futuro. Era exatamente aí que ambos mais tinham a aprender um com o outro. O primeiro sempre tentou viver o agora. O segundo sempre tentou projetá-lo. O segundo falou de uma grande paixão que estava sentindo e que não era correspondida, e de como estava aprendendo a lidar com isso de uma forma cada vez mais eficiente. O primeiro falava da necessidade de aprender a amar. De que não havia aprendizado mais difícil e longo. E citou exemplos de seu último casamento, que havia durado 3 anos, mas que havia terminado. O segundo riu e dizia que não conseguia sequer namorar. Reclamava que a visão que os outros tinham dele não era a que ele queria que tivessem, e que isso sempre o atrapalhava, apesar de sempre ser elogiado.

O primeiro riu, disse que isso era uma regra para todos. Ninguém, segundo ele, era visto como queria, justamente porque as pessoas têm visões diferentes a respeito dos outros. O segundo não se conformava com tal fato, e pedia respostas exatamente para isso: O que ele tinha de mudar, o que tinha de fazer para ser amado como queria?

No momento da resposta, a pipoca de ambos acabou. O primeiro tinha de voltar para os ensaios, e o segundo ia fingir que iria estudar em alguma biblioteca. Marcaram de se encontrar em alguns dias, no mesmo banco.

Continua

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