domingo, 30 de maio de 2010

"Rest"

Você percebe que sua infância/adolescência/época de vagabundagem está acabando quando pessoas que formaram seus primeiros anos de vida começam a sumir de seu convívio, pelos mais diversos motivos. É como se elas deixassem espaço para novos rostos ocuparem espaço. Mesmo aquelas pessoas que, em teoria, não representaram grande coisa, mas que você sempre via, fazem falta.

Na esquina de onde eu moro, havia um porteiro que trabalhava no mesmo edifício há mais de 20 anos. Eram uma figura singular: Cabelos a lá Oséas, atacante ex-Palmeiras, cavanhaque e um sotaque alienígena, tornando quase impossível entender o que ele falava na primeira tentativa. Por isso, o "oi?" ou "que?" eram presenças certas nos parcos diálogos que tínhamos. O sujeito era boa praça, simpático.

Sempre que eu ia para a escola, com 5, 6 anos, eu passava na frente do prédio, e mostrava todo o meu desprezo pelo cara. Achava-o um chato de galocha, insuportável e metido a engraçado. Isso continuou durante toda a minha infância. Tomava esporro do meu pai e da minha mãe pela falta de educação com que tratava o cara. Até que, quando tinha 12 anos, estava com 4 reais no bolso, e ia comprar figurinhas para meu álbum da NBA, na banquinha que existe no final da rua. No caminho, fui cercado por dois ladrões, que me roubaram os 4 reais e me bateram, me deixando no chão, agonizando, sem camisa.

O simpático porteiro me viu e foi voando ajudar, me dando água gelada, e perguntando qual era meu prédio (afinal, ele só me via passando na frente do que ele trabalhava). Quando eu ia começar a ensinar, minha mãe vinha na rua e passou desesperada, perguntando porque eu estava sem camisa, e quem era o porteiro. Expliquei tudo, o cara recebeu os devidos agradecimentos, e fui pra casa. A partir daí, sempre parava pra bater papo com ele.

Daí os assuntos eram os mais variados possíveis; desde futebol (Sport) até salário baixo, mulher gostosa e etc. Claro, todas as conversas duravam de 15 a 30 segundos, que era o tempo que eu levava para circundar as paredes vazadas do edifício. O cara se tornou uma figura constante e porreta na minha vida. Afinal, eu precisava sempre passar na frente do prédio para pegar qualquer ônibus.

Há 2 meses eu não o via mais no prédio. Comecei a imaginar qualquer coisa de ruim, e de boa. Ontem estava indo pegar ônibus, quando o vi na calçada do prédio, conversando com outras pessoas. Ele me reconheceu na hora, me abraçou e conversamos por uns 5 minutos na rua. Perguntei onde ele esteve esse tempo todo, e me veio a resposta:

"Me aposentei."

Perguntei se ele estava feliz com aquele tudo, e ele abriu um sorrisão no rosto, dizendo que, vez ou outra, iria aparecer para visitar as pessoas dali, que tinham se tornado parte da família dele, devido a tantos anos de trabalho.

Fará falta o cara. Figura ímpar e cristalina. Até hoje, contudo, não sei seu nome. Sempre o chamei de "AêêÊ!!!" E ele me respondia na mesma moeda.

Menos uma interjeição feliz que sai da minha boca. Sorte pra ele.

Um comentário:

  1. Porteiros deveriam ser alvo de estudos científicos, pense nuns seres peculiares.

    ResponderExcluir