domingo, 19 de fevereiro de 2012

Estranged

Leia esse texto ouvindo esta música:

Escrever é sempre recomeçar. Existem os mais diversos tipos de recomeços. O que quero falar aqui é aquele que você pensa todos os dias. Aquele que você sabe que é preciso fazer desde quando você - eu, no caso - ainda tinha cabelo. Mas que mesmo assim você não consegue, seja por uma relação de existência entre você e a vontade de mudar, seja pela real impossibilidade de conseguir naquele momento. William Forrester diz que a primeira versão de nosso texto nós fazemos com o coração, e a segunda, com a nossa cabeça. Como então recomeçar algo que já está tão tetricamente formulado dentro de sua mente? Quantas vezes falhamos em fazer coisas óbvias aos nossos olhos?

Recomeçar obriga a ser diferente. Se formos iguais não existe recomeço. Recomeçar implica a colocar o pé pra fora da rota já tão pisada e, por isso mesmo, confortável, por ter exatamente o nosso formato, como um travesseiro velho. Mas o recomeço se sedimenta justamente no que conhecemos, no nosso passado. Temos que recomeçar de algum lugar, temos que tentar ser melhores (?) a partir de alguma base. Não adianta começar do zero, ninguém começa do zero. Não há sentido nisso.

Então a relação entre recomeçar e nosso passado já começa intrincada. Temos de usar algo que vivemos como base para sermos diferentes. Paradoxal. Começar a partir do vivido e acostumado. Não vivemos sozinhos, precisamos de espelhos diferentes de nós para ratificarmos ou reprovarmos nossas mudanças, mesmo que a nota final seja dada por nós mesmos.

Velhos de espírito, ranzinzas, populares, sábios, curiosos, intolerantes. Castas mentais não importam. Nosso sentimento frente ao recomeço é uma espécie de nostalgia ao contrário, e demoramos a entender o porquê disto. Justamente pelo passado que carregamos nas nossas costas. Recomeçar é REfazer. Não apenas "fazer".

Mark Twain disse que o homem é o único animal que cora, ou que faz corar. Quando alguém diz que vivemos do passado, de forma pejorativa, soa ridículo. Todos, inexoravelmente todos nós vivemos do passado. Se essa frase soa chocante, é bom pensar nela com calma.

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