Existem muitos tipos de sonhos que temos ao longo da vida. Temos aqueles que consideramos inatingíveis, que nunca serão alcanaçados; temos aqueles que perseguimos de forma visceral a vida toda. Existem também aqueles intermináveis, que mesmo depois de perseguí-los e conquistá-los, nunca conseguimos sair 100% deles. E isso não deve ser visto como algo negativo. Nem sempre viver em um sonho é perigoso.
Deve ter sido mais ou menos isso que as 110 mil pessoas que estavam na Cidade do Rock, há pouco mais de um ano, sentiram. O Dia Metal foi, sem dúvida, o mais intenso do Rock in Rio, em 2011. Paradoxalmente, um estilo onde se fala sobre isolamento, frieza, egocentrismo - sendo essa imagem errônea divulgada para milhares de pessoas - foi responsável por um grande encontro de ansiedade, sorrisos e confraternização. Eu estava lá. Sozinho. Ao mesmo tempo, rodeado por 109.999 amigos. Fora os que estavam em cima do palco.
4km de fila aguardando a abertura dos portões. Ambulantes vendendo de coca-cola à coca, e correndo dos policiais que tentavam recolher seus produtos. Na fila, enrolado na bandeira de Pernambuco, eu esperava pacientemente a abertura para escolher um lugar bom. Fiz amizade com quatro cariocas, que ficaram comigo até o último acorde do Metallica. Quando entrei e rodei a catraca, me ajoelhei e, ao som do tema do festival, beijei o chão de um de meus maiores sonhos e fui conhecer o local.
Nem a praça do Jazz, nem os souvenirs, nem os sanduíches caríssimos fizeram a diferença. Tudo lindo, mas dispensável. O que fez a diferença foram escoceses tentando comprar a bandeira de Pernambuco simplesmente por acharem-na bonita, pessoas gritando "Ipsep! Ipsep!" quando eu gritava que era do Recife, gente do Rio Grande do Sul se abraçando com africanos e cantando músicas do Slipknot, aguardando a noite. Ainda faltavam muitas horas. Faltavam anos, na cabeça de muita gente, inclusive eu.
Quando o sol desapareceu, não foi a escuridão profunda do mundo Metal que apareceu, e sim o brilho nos olhos dos fãs, grudados no palco, sem acotovelando e abrindo rodas, se esmurrando e se abraçando três segundos depois. Quando o "S" do Slipknot começou a queimar no palco, vi pessoas se abraçando, e me abracei com um fã mineiro que chorava de emoção do meu lado. Para a minha surpresa, era o terceiro show do Slipknot que ele via, mas "nada igual a emoção de hoje". Apesar de não ter visto outros, eu sabia o que ele falava.
Durante o Slipknot o que se viu foram aproximadamente 20 músicas sem respirar, como se houvesse um único respiro antes do mergulho. O único sopro, talvez, foi o salto do DJ Starscream exatamente onde eu estava. Posso dizer que apertei a bunda de uma estrela. Logo depois, percebemos o ex-baterista do Dream Theater, Mike Portnoy, assistindo o show. Nada importava. Era o palco, era a poeira que subia, mesmo o chão sendo de grama artificial. Dizimada.
Quando Corey encerrou o show - não antes sem confirmar que fora o maior público da banda - o mergulho continuou em estágio abissal. O Metallica entrou e eu, a esta altura, na grade, com o peitoral cortado pelos empurrões contra a proteção, não me lembro de nada, mas lembro de tudo ao mesmo tempo. Em "For Whom The Bell Tolls" eu percebi, enfim, depois de mais de sete horas de cidade do Rock, a dimensão do sonho realizado.
Desde aquele dia, há 1 ano e 8 dias, eu lembro todos os dias. Eu sempre vou me lembrar. Se você acha que, indo para shows, você sabe o qual a sensação, vá para um festival. Vá viver. Vá viver seus sonhos. Eu até hoje tenho meus ingressos. Sempre os terei, fisica e mentalmente.